sábado, 30 de novembro de 2013

De Jueves a Domingo (2012)




          De Jueves a Domingo (De Quinta a Domingo) é o primeiro longa-metragem da diretora e roteirista Dominga Sotomayor e conseguiu razoável projeção nacional e internacional, sendo premiado nos festivais de Rotterdam, Granada, Indie Lisboa e outros. No Brasil, foi exibido na edição 2012 do Festival do Rio. 

         O filme começa com Lúcia (Santi Ahumada) e Manuel (Emiliano Freifeld) saindo para uma viagem com os pais Fernando (Francisco Pérez-Bannen) e Ana (Paola Giannini). Aparentemente o casal está em vias de se separar, mas decidiram fazer uma viagem com os filhos de modo a tentar uma reaproximação. Contudo, de quinta a domingo (período da viagem) ambos se desentendem, encontram o que parece ser um amante de Ana e expõem os desgastes da relação. O filme todo passa-se sob a ótica de Lúcia, a filha mais velha com 10 anos de idade, que passa a maior parte do tempo no banco traseiro do carro. 



          De Jueves a Domingo passa-se como uma metáfora, aliás, mais do que uma metáfora, uma forte provocação ao distanciamento dos pais frente aos filhos, ou dos adultos frente as crianças. Crianças são membros da família, mas são como se não o fossem. São tratados como um lado dependente e externo que não partipa e não deve partilhar dos “assuntos de adultos”, muito embora sofram a violencia dessa exclusão em temas tão caros para sí próprios (nesse caso, a separação dos pais). Essa condição fica muito clara na cena em que Lúcia e Manuel viajam irresponsávelmente no teto do carro enquanto os pais brigam no interior do veículo. A canção entoada pelo casal e seus amigos no camping também trazem para primeiro plano o emocional por detrás da separação entre adultos e crianças, do ponto de vista da menina Lúcia:

“Quiero dormir cansado
 para no pensar en ti
Quiero dormir profundamente
y no despertar llorando
con la pena de no verte
Quiero dormir cansado
y no despertar jamas
Quiero dormir eternamente
porque estoy enamorado
Y ese amor no me comprende."


           Esqueça o que realmente se passa entre o casal e no seu entorno. Todo o filme gira em torno do olhar de Lúcia, que é muito bem retratado por meio dos momentos mais metafóricos da obra. É um filme dificil para quem não é acostumado com uma pegada mais experimental. Tirando alguns cortes meio abruptos de cena, é um lindo filme que, sem dúvida, vale muito a pena ser assistido. 

Nota: 8,5

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Il Futuro (2013)



            
            Terceiro longa da cineasta Alícia Scherson (Play, Turistas), Il Futuro (O Futuro) é uma co-produção Chile-Itália-Alemanha-Espanha, contando com um elenco misto e muito interessante. O filme, atualmente está sendo exibido em vários festivais, como em Sundance e no Festival do Rio (onde tive oportunidade de assistir).

            Bianca (Manuela Martelli) e Tomás (Luigi Ciardo) são irmãos e perdem os pais em um trágico acidente de carro. Vivendo em Roma, os dois jovens precisam encarar a vida sozinhos e acabam se envolvendo com dois homens, colegas de academia de Tomás, que passam a viver na mesma casa. Logo, ambos traçam um plano envolvendo Bianca: a jovem deveria se envolver com Masciste (Rutger Hauer), um ex-ator, que naquele momento vivia isolado em uma mansão , e descobrir onde o idoso guarda suas economias para assim promover um roubo que mudaria as suas vidas. Tendo aceito o desafio, Bianca é oferecida como garota de programa ao ex-ator, que passa a vê-la quase todos os dias.

            O filme aborda o problema da solidão no seu sentido mais terrível: quando nos vemos a sós por meio da morte de pessoas que amamos e dependemos.  De maneira inquietantemente fiel à realidades similares a essa vivida pelos personagens, o filme consegue abordar o momento de “vácuo” entre o passado e o futuro, especialmente na alma da personagem Bianca. O filme todo se passa no ponto de vista de Bianca, que se vê forçada pelas circunstâncias em empreender uma viagem dolorosa rumo a um futuro completamente imprevisível. Nesse sentido, a própria experiência com Masciste por ser vista como uma metáfora de uma das muitas transições que compõem esse momento.

            O filme possui muitas metáforas, como a do excesso de luz no apartamento, logo no início. Contudo isso não dificulta a compreensão da estória, pelo contrário, coloca o espectador em intimidade com os sentimentos e o psicológico da personagem principal. Aliás, é um filme bastante psicológico, porém é de uma leveza notável, ainda mais pelo tema que aborda. As atuações de Manuela Martelli e Rutger Hauer são o ponto alto da trama. Sem dúvida é o melhor dos três longas de Alícia Scherson e um dos melhores filmes chilenos da atualidade.   


Nota: 10,0    

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

No (2012)





             Chile, a alegria já vem! Esse poderia ser o principal nome do quarto longa do diretor Pablo Larraín (Fuga, Tony Manero, Post-Mortem [filme comentado aqui no blog]). No, vem sendo muito elogiado pela crítica e ganhou diversos prêmios internacionais como a quinzena de Cannes. Além disso, é o primeiro filme chileno a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

            René Saavedra (Gael García Bernal) trabalha em uma agência de publicidade, cujo dono é Lucho (Alfredo Castro), entusiasta do governo Pinochet. Quanto o governo decide instaurar um plebiscito pela continuidade ou saída de Pinochet e dos militares do poder, em resposta às pressões internacionais, Saavedra é chamado para fazer parte da campanha pelo “Não”, defendendo a volta da democracia e saída dos militares do poder. Lucho, por sua vez, muito próximo ao Ministério da Comunicação, acaba tornando-se líder da campanha publicitária em favor do “sim”, ou seja, pela permanência de Pinochet como presidente do Chile.

         O problema é que tanto René quanto Lucho sofrem com problemas semelhantes em ambas as campanhas. Os muitos partidos de esquerda envolvidos na campanha do “Não” ansiavam denunciar na propaganda diária de 15 minutos as violações aos direitos humanos cometidos pelos militares (o que na prática fomentaria medo às pessoas em comparecerem as urnas para votar contra o governo). Por outro lado, o Ministério de Comunicação subestimava a capacidade de articulação da esquerda e considerava suficiente uma campanha televisiva que mostrasse a prosperidade econômica conquistada na era Pinochet. René enfrentará diversos desafios para levar ao ar uma propaganda leve, para fomentar esperança e conduzir os indecisos e os que temem retaliações do governo às urnas para votar no “não”, enquanto Lucho fará o possível para convencer o governo do perigo e eficácia da publicidade adversária. Some a toda essa situação, um aparelho repressivo de Estado que continua operando no sentido de intimidar a oposição.

            O filme tenta retratar de maneira realista o drama que permeou a campanha pelo “não” de 1988. Essa opção pelo “realismo” é visível até mesmo no tipo de câmera usada na produção do filme, que é condizente com as usadas na década de 1980. Desse modo, a esquerda é retratada como uma colcha de retalhos onde os muitos partidos estão vivendo um misto de rancor e medo pelas atrocidades cometidas nos anos de governo Pinochet. Os militares, por sua vez, tentam intimidar a oposição por meio de perseguições, ligações anônimas, ameaças, mas uma certa letargia permeia as ações, como se os militares não acreditassem que a campanha do “não” teria sucesso. Tanto René quanto Lucho tentam vencer os sentimentos políticos envolvidos e fortemente polarizados para tentar angariar de maneira objetiva os votos da população. Ao final, o que temos é um filme muito realista e convincente sobre o processo de derrubada do regime militar no Chile e de um processo mais silencioso, que tem a ver com a produção de sentido e cultura pelos profissionais da comunicação com um pragmatismo de mercado. É um filme sobre a queda da ditadura, mas também um filme sobre publicidade e publicitários na política. Assim, “No” continua seguindo a linha dos filmes de Larraín no sentido de mostrar diversos lados que compõem um determinado evento, mesmo sob o ponto de vista de pessoas comuns ou aparentemente menos engajadas politicamente.      


Nota: 10,0   

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

La Fiebre del Loco (2001)


               

                 O dinheiro cega. E o diretor chileno Andrés Wood explora bem essa condição em La Fiebre del Loco, seu segundo longa-metragem e filme que antecede o clássico Machuca.

             A trama gira em torno da corrida pela exploração de um molusco conhecido como Loco, na Patagônia chilena, que é somente autorizada pelo governo em algumas semanas do ano.  Com a liberação do governo para a atividade extrativista, diversas pessoas afluem de várias partes do país em busca do ganho fácil no pequeno vilarejo de Puerto Gala, alterando drasticamente a vida da população local.

               O filme consegue retratar de modo bem interessante as mazelas e alterações locais decorrentes de uma corrida brusca pela exploração de recursos naturais e o consequente “surto de progresso” decorrente dessa atividade.  Populações locais, com seus modos de existência tradicionais encontram-se na perplexidade de lidar com agentes do Capital internacional, comerciantes, golpistas, prostitutas e tantos outros agentes que inundam locais onde se faz dinheiro fácil. Por mais que nesse caso, o elemento explorado seja um molusco, facilmente podemos traçar paralelos entre a perplexidade e miséria existencial dos agentes envolvidos na busca pelo lucro em Puerto Gala e em outras situações em distintos contextos espaço-temporais (como na Amazônia durante o ciclo da borracha e na corrida do ouro em Serra Pelada). Acredito que, de fato, Andrés Wood quis em seu filme ressaltar como o dinheiro e a possibilidade de fortuna, nesses casos, tornam-se poderosos atores que agenciam e modificam a postura das pessoas frente a suas crenças e seus modos de existência. O Capital degenera e anula formas de existência que não se coadunam com a busca pela acumulação.

             Longe de reforçar ou estabelecer uma visão simplista e até dualista, muito comum e arriscada nesse tipo de abordagem, o filme acaba tendo em seu âmago uma análise provocadora sobre o poder transformador e destrutivo da lógica do Capital. É um filme muito atual também, por evidenciar as misérias decorrentes da exploração de recursos naturais no início do processo, onde surtos de progresso destroem modos de vida, mergulha populações inteiras em miséria existencial, além de provocar danos (por vezes irreversíveis) ao meio ambiente.

Nota 9,0