terça-feira, 13 de novembro de 2012

Eros: Una Vez María (México - 2007)



           
           Como eu escrevi na descrição do blog, eventualmente seriam feitos comentários sobre filmes não produzidos no Chile. É o caso de Eros: Una Vez María, filme mexicano dirigido por Jesús Megaña Vázquez e que é a primeira produção não-chilena a ser comentada aqui no blog. 

            Tonatiuh (Julio Bracho) é um homem atormentado pelas lembranças que tem de sua noiva, María (Ana Serradilla) que cometeu suicídio recentemente. Como forma de tentar sanar o vazio provocado pela violenta perda, Tonatiuh sai com diversas mulheres de nome María tentando encontrar em cada uma delas as características de sua amada. 

            Ao longo do filme fica evidente para o espectador que nem todas as “Marías” com que ele transa ou se relaciona, são de fato pessoas do seu meio social. Na maioria das cenas com as diversas Marías (desde a psicóloga até a prostituta contratada em momento de forte carência), o que temos são metáforas dos pensamentos, alucinações, situações reais, sonhos e condições existenciais do protagonista. O problema é que essas cenas entrelaçam-se a ponto mesmo de ser difícil compreender o que é metáfora ou não no desenrolar dos acontecimentos. Mesmo a trilha sonora é confusa, pelo menos até os quinze minutos finais da trama, quando fica explícito que as Marias que mais aparecem no filme representam dialeticamente o passado, o presente e o futuro. Dessa forma, a estória é centrada na trajetória existencial de um homem que acabou de perder de forma trágica a mulher amada. 

            Eros: Una Vez María, é arte para poucos. Sua lógica um tanto kafkiana e dialética torna a experiência de assisti-lo extremamente cansativa, embora o final seja um dos mais emocionantes que eu particularmente já vi. Quando o assisti, muitos dos espectadores levantaram-se e foram embora durante a exibição, mas os que ficaram aplaudiram de pé o resultado. É o tipo de filme que você odeia ou gosta muito. Eu, particularmente, recomendo.

Nota: 8,0

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Paréntesis (2005)

 

            Sabe aquele filme que você escuta boas indicações, mas sempre adia o momento de vê-lo e quando finalmente assiste pergunta-se sobre o motivo de não tê-lo visto antes? Então, é o meu caso com Paréntesis (Parênteses), de Pablo Solís e Francisca Schweitzer. Apesar de ter ouvido boas indicações, o filme foi exibido em alguns festivais sem ter, contudo, levado muitos prêmios conforme outros filmes comentados aqui no blog.
           
            Camilo (Francisco Pérez-Bannen) é um jovem de 28 anos que mora sozinho em seu apartamento, trabalha em uma vídeo-locadora, é viciado em remédios e tem pouco interesse em tomar as rédeas de sua vida ou pensar em um futuro melhor. Sua namorada, Pola (Sigrid Alegría), insatisfeita com essa situação e com as atitudes imaturas de Camilo decide pedir um tempo de uma semana para repensar o relacionamento. Em meio à tristeza em ver-se sozinho e aos encontros com um amigo mais velho que adora distribuir livros de auto-ajuda, Camilo conhece Mikela (Carolina Castro), uma menina de 16 anos, recém-saída de um hospício, que transformará esse tempo longe de Pola em um dos mais felizes de sua vida.






O filme tem início no momento da briga entre Camilo e Pola, ou seja, toda estória é centrada na semana dada por Pola para repensar seu relacionamento (daí o nome Parênteses enquanto metáfora que funciona muito bem). As cores das roupas dos protagonistas, os jogos de câmera e a trilha sonora funcionam como metáforas que dão um toque especial no clima das situações vividas pelos personagens. 

Apesar de comovente, é um filme bastante leve e muito diferente das produções chilenas de maior sucesso da década passada, seja pela temática, como também pela abordagem. Difícil não apaixonar-se pela personagem Mikela, muito bem interpretada por Carolina Castro (particularmente me lembrei da Katrim, personagem de Bertold Brecht, na peça Mãe Coragem e Seus Filhos). Considero uma belíssima produção que agrada pelo frescor de sua mensagem, pelo realismo de sua estória e vivacidade de cores.

Nota: 9,5

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Joven y Alocada (2011)



             Joven y Alocada (Young & Wild: as aventuras de uma ninfomaníaca) é o primeiro longa-metragem de Marialy Rivas e vem conquistando importantes prêmios internacionais como em San Sebastián e Sundance. Recentemente também foi exibido no Festival de Berlin e no Festival do Rio (onde tive oportunidade de assisti-lo). 

           Daniela (Alicia Rodriguez) é uma jovem de 17 anos que teve uma rígida criação no seio de sua família evangélica. A rebeldia e a frustração, próprias de sua idade, a leva viver uma vida pautada em aventuras sexuais que são narradas em um blog. Uma dessas aventuras é descoberta e a menina é expulsa do colégio e proibida pela família de prestar o vestibular. Como castigo, sua mãe (Aline Kuppenheim), impõe que a jovem trabalhe em uma emissora que produz programas gospel, onde ela conhece Tomás (Felipe Pinto) e Antônia (Maria Gracia Omegna). A relação com Tomás e Antônia, potencializará os questionamentos existenciais de Daniela, intensificando também as suas experiências individuais frente à vida.  

        O filme é bastante crítico e, sobretudo, provocador. A intenção é gerar incômodo e debate sobre temas diversos que aparecem interligados na trama como sexualidade, morte, maturidade e religião. Os momentos de humor são estratégicos e tem êxito em aliviar a pressão sobre o modo como são questionados o modo de vida e as contradições presentes nas idéias e cotidiano das famílias evangélicas. Nesse sentido, os questionamentos de uma jovem de 17 anos, ou seja, um indivíduo no limite entre a adolescência e a fase adulta cai perfeitamente bem para que esse tema possa ser abordado, em conjunção com o tema da sexualidade. O filme, contudo, acaba tendo uma grande capacidade de fazer pensar sobre temas que nem são os focos principais da estória.

            Joven y Alocada é baseado no blog de mesmo nome, escrito por uma adolescente com as mesmas características da personagem Daniela. A temática do filme pode não agradar a qualquer pessoa e é bom ressaltar que as cenas de sexo tanto hétero como homo abundam, apesar de eu achar tudo muito bem feito e sem exageros. Vale muito a pena ser visto principalmente pela sua belíssima fotografia, pela fantástica trilha sonora (que inclui até belas musicas no estilo gospel), e pelo elenco de peso que reúne: Aline Kuppenheim, Maria Gracia Omegna, Alicia Rodriguez (cuja atuação me surpreendeu muito), Andrea García-Huidobro, Catalina Saavedra e etc. 

Nota: 8,0
     

sábado, 1 de setembro de 2012

Táxi para Tres (2001)





Filme clássico e obrigatório para quem quer conhecer o cinema chileno, Táxi para Tres (2001) dirigido por Orlando Lübbert, ganhou diversos prêmios internacionais como em San Sebástian, Festivais e Havana e Mar del Prata, além de indicação ao Prêmio Goya de melhor filme estrangeiro.

Ulisses (Alejandro Trejo) é rendido por dois bandidos, Chavelo (Daniel Muñoz) e Coto (Fernando Gómes-Rovira), quando tentava sair de um bairro pobre. Eles dão duas opções: guia o táxi enquanto realizamos os assaltos ou nos acompanha trancado no porta-malas. Ulisses resolve guiar o táxi. O problema é que ele dirige tão bem que impressiona os bandidos, que passam a chamá-lo de “Fitipaldi” e ainda dividem com ele os lucros dos muitos assaltos realizados a bordo do táxi. Ulisses sente seus valores morais serem balançados e percebe as vantagens em continuar praticando os assaltos, passando de vítima à cúmplice. Entretanto, todo esse cenário sofre modificações quando os assaltantes começam a freqüentar e, até mesmo, morar na casa de Ulisses, alterando a vida de sua esposa e filhos.

Táxi para Tres contém fortes críticas as instituições e à sociedade chilena, mas suas críticas, tanto quanto a situação retratada, podem ser aplicáveis à realidade de qualquer país latino-americano, especialmente o Brasil. Apesar do filme flertar bastante com a idéia do indivíduo pobre envolvido com o crime enquanto resultante da falta de oportunidades na vida, ele consegue ser bastante perturbador, principalmente por abordar dilemas morais complexos, sem perder a leveza própria de uma boa comédia.

Além de contar com uma ótima trilha sonora, a trama prende bastante a atenção do espectador, contando com atuações belíssimas, com destaque para Daniel Muñoz: Chavelo e sua voz ficam por muito tempo na memória. É um filme que recomendo fortemente.

Nota: 9   

sábado, 18 de agosto de 2012

El Chacotero Sentimental (1999)


            

            Esse, sem dúvida, é um dos mais importantes clássicos do cinema chileno. Dirigido por Cristián Galaz e contando com um elenco muito interessante, El Chacotero Sentimental (O Coringa Sentimental) foi um dos primeiros filmes da era pós-Pinochet a atingir relativo êxito no cenário mundial, conquistando diversos prêmios nacionais (como em Viña del Mar) e internacionais (Toulousse, Chicago, Bogotá, etc.). 

          O filme é baseado em fatos reais e relatos difundidos no programa de rádio El Chacotero Sentimental, sucesso na década de 1990. Rumpy (Roberto Artiagoitía) é quem apresenta o programa de rádio e escuta os relatos de pessoas com conflitos sentimentais ou problemas emocionais, que telefonam para o programa em busca de conselhos ou para desabafar e relatar suas aventuras. O filme apresenta três relatos diferentes de pessoas com diferentes níveis socioeconômicos.

            A proposta do filme é traçar uma pequena radiografia da sociedade chilena, mostrando alguns dos dilemas morais enfrentados pelos personagens. O espectador acaba sendo apresentado a uma sociedade com forte apelo sexual que entra em constante contradição com certos aspectos conservadores que permeiam essa mesma sociedade. É um filme com uma proposta ousada, mas que acaba pecando pela pretensão e por difundir alguns clichês. Dos três casos apresentados, dois são de pessoas de camadas menos favorecidas da população e um de alta classe média. Enquanto nos dois casos o apelo sexual possui conotação positiva pela simplicidade, leveza e aspecto cômico, o outro caso mostra um lado sombrio dessa mesma moeda, quando duas irmãs se veem em posição antagônica devido a um caso de incesto que perdura anos. Ou seja, o filme acaba flertando com uma dicotomia simplista sobre o comportamento de pessoas ricas e pobres, algo que será desconstruído anos mais tarde em filmes como B-Happy

            Acredito ser um erro, classificar esse filme como sendo do gênero comédia. É um filme que pode fazer rir, chorar e depois rir novamente, e o espectador deve estar pronto para encarar esses momentos de “montanha russa” onde intercala-se a comédia e o drama. É um filme que recomendo para quem tem interesse nas produções da América Latina, especialmente por ser um clássico da década de 1990.                

Nota: 5,0

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Navidad (2009)




         Segundo longa-metragem do premiado diretor Sebastián Lelio, Navidad (Natal), foi exibido na edição de 2009 do Festival do Rio e em Cannes, sendo recebido com aplausos e elogios por onde passou e conquistando o prêmio de melhor direção em Viña del Mar, também em 2009. O sucesso desse longa, no entanto, não chegou nem próximo do seu antecessor La Sagrada Família (2006).
    
           Alejandro (Diego Ruiz) e Aurora (Manuela Martelli) são um jovem casal em crise no relacionamento, que decidem passar a noite de natal exilados na abandonada casa de campo do falecido pai de Aurora. Nos arredores da casa, eles encontram Alicia (Alicia Rodriguez), uma adolescente que acabou de fugir da casa dos pais. Decidida a não retornar, Alicia passará a noite de natal com o casal, o que potencializará a crise vivida por cada um dos personagens, impelindo a uma mudança radical em suas vidas.

            A princípio, quando estamos assistindo ao filme, podemos pensar que o natal é apenas um plano de fundo para os eventos que se dão com os três personagens. Entretanto, o sentido cristão da data, seja ligado a uma idéia de nascimento ou renascimento, tanto quanto o sentido religioso-católico (momento de reflexão e mudança), está muito presente na trama por meio dos acontecimentos. O filme retrata um movimento que poderíamos chamar de dialético, não só para o casal, mas para todos os envolvidos. Alejandro é um jovem atormentado pelas indecisões próprias de um momento de transição etária e não tem mais certeza do que sente por Aurora. Aurora é mais segura e transpira maior maturidade, mas possui duvidas relativas a sua própria sexualidade. A noite de natal na casa de campo torna-se uma encruzilhada: a presença de Alicia, com seus próprios problemas, funciona como mola propulsora para a reflexão e a tomada de decisões.



          O filme conta com uma bela fotografia, mas o destaque parece mesmo ficar com a atuação de Manuela Martelli, que nos faz ter uma empatia muito forte com o personagem Aurora. Vale ressaltar que o filme conta com algumas metáforas bem sutis que dão um toque especial na experiência de assisti-lo, especialmente nas cenas finais. 

              Nota: 8,0

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Violeta se Fue a Los Cielos (2011)




Dirigido pelo premiado diretor chileno Andrés Wood (o mesmo diretor de Machuca), com uma co-produção argentina e brasileira, Violeta se Fue a Los Cielos (Violeta foi para o Céu) conta a trajetória de vida e artística de Violeta Parra, grande nome da cena artística do Chile e apontada como fundadora da musica popular chilena. O filme vem sendo bem aplaudido pela crítica e conquistou alguns importantes prêmios, como o de “melhor filme” na edição 2012 do Festival de Sundance.
O filme é baseado na biografia escrita pelo filho de Violeta Parra, Ángel Parra, e não segue a linha convencional utilizada por outros filmes do gênero. A entrevista dada a uma emissora televisiva serve de fio condutor para seguir sua trajetória desde a dramática infância. Desse modo, não há uma linearidade no filme, sendo abarcado, na verdade, vários momentos importantes da obra de Violeta Parra, revelando as muitas dimensões de sua vida pública: desde a cantora de musicas populares em pequenas festas no interior do Chile, sua militância pela valorização da cultura popular no país, sua estadia na Polônia Soviética e França, mantendo contato com intelectuais de esquerda, e seus feitos enquanto artista plástica. Misturado às dimensões da vida pública, o espectador é apresentado às dimensões de sua vida particular e dos seus sentimentos, numa tentativa de apreender as contradições, angustias, inquietações e paixões que dominavam a alma da artista. 


            Mais do que a trajetória artística de Violeta Parra, o filme nos trás a trajetória de sua alma sofrida. Esqueça aqueles filmes biográficos chatíssimos que, carregados de ideologias, clichês e etc., exaltam e romanceiam o biografado por causa de suas origens humildes ou história de superação e sucesso (que, para piorar, podem trazer um fantasioso e nauseante final feliz). Nessa obra, o que temos é uma descrição densa da alma inquieta da biografada e de vários momentos de sua vida que são fundamentais para entender quem foi Violeta Parra. As metáforas abundam ao longo do filme e são reforçadas por uma belíssima fotografia e pela fantástica atuação de Francisca Gavilán (que guarda muitas semelhanças físicas com a própria Violeta Parra). A trilha sonora é recheada de belíssimas musicas cantadas pela própria Violeta e encontram-se em perfeita sintonia com as cenas. É um filme que torna-se referência importante sobre sua vida e obra, ousando aprofundar-se em seus conflituosos sentimentos, dando um toque poético especial, sem deixar de manter-se realista e convincente. 


          Nota: 10,0

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Post Mortem (2010)




Não adianta, os chilenos sabem fazer (bons) filmes sobre o momento mais dramático de sua história recente. Bastante provocativo, Post Mortem, dirigido por Pablo Larraín, foi, e está sendo, muito aplaudido pela crítica mundial tendo conquistado prêmios nos Festivais de Veneza, Guadalajara, Antofagasta e outros. É um filme muito interessante para nós brasileiros que atravessamos tempos de “Comissões da Verdade”, espaço que infelizmente parece privilegiar a elucidação das mortes e desaparecimentos de militantes de esquerda, esquecendo-se de pessoas comuns (populações rurais, índios e etc.) que ignoravam ou desconheciam a existência do comunismo ou do mundo bipolar, e também sofreram ou desapareceram em conseqüência do regime militar. 

Mario (Alfredo Castro) trabalha como escrivão e auxiliar numa espécie de Instituto Médico Legal e é apaixonado por sua vizinha, Nancy (Antonia Zegers), que trabalha em um cabaré e mantém relacionamento liberal com um jovem militante de esquerda, que, por sua vez, usa a casa de Nancy como ponto de encontros da militância. Mario e Nancy são pessoas distantes dos acontecimentos políticos que tumultuavam Santiago no momento pré-golpe. Mario, em especial, sente-se deslocado (para não dizer enojado) quando o tema em sua roda de colegas é política. Nancy, por sua vez, detestava os encontros políticos realizados em sua casa. No entanto, certo dia Mario é surpreendido pelo som de tumulto na sua rua. Descobre que a casa de Nancy foi revirada e a mesma está desaparecida. É o início de sua busca por Nancy em meio a uma cidade vazia e desolada e um IML lotado de corpos que não param de chegar em caminhões militares.  



O evento do golpe militar praticamente não existe para os protagonistas, a não ser pelas suas conseqüências, sublinhando uma vez mais o quanto a política estava distante do universo dessas pessoas. O desaparecimento de Nancy, a cidade desolada, os muitos corpos espalhados pelos corredores do IML, a autópsia no corpo do presidente Salvador Allende, são algumas das conseqüências que trazem sofrimento e aflição para os personagens. Enquanto uns se desesperavam e enlouqueciam com a situação, outros muitos, como Mario, utilizavam da alienação como meio de sobrevivência buscando ignorar ao máximo a “chuva” de corpos no IML, incorporando e tornando verdadeira a frase sou funcionário e somente faço meu trabalho



Esse filme pode ser considerado uma obra-prima, tanto quanto uma pedrada na cabeça. Difícil não sair perturbado ou pensativo após assisti-lo. Mario é um personagem frio, solitário e com sérios problemas afetivos. Essa condição abre outra possibilidade de análise sobre o filme, mas prefiro deixar no ar para que vocês mesmos tirem a conclusão. É um filme para fazer pensar. Não espere por uma linda trilha sonora, pois o filme não tem musica e essa ausência é proposital, aumentando a sensação de vazio. É preciso senti-lo, e quanto melhor você sente, maior sua inserção na angustia que permeia a trama.   


 Nota: 9,5

sábado, 26 de maio de 2012

La Nana (2009)




        La Nana (A criada) é o segundo filme de Sebástian Silva e foi muito aplaudido pela crítica nacional e internacional. La Nana acumulou diversos prêmios internacionais, como nos Festivais de Sundance, Miami e Cartagena de Indias. Essa resenha escrevo em homenagem a minha professora de espanhol, Karen, que foi quem me apresentou esse filme. 

        Raquel (Catalina Saavedra) trabalha em regime de “dedicação exclusiva” como empregada doméstica em uma casa de classe média alta. Há 23 anos trabalhando e dormindo na casa dos patrões, Raquel não namorou, não casou, não teve filhos, não saiu, não viveu nada do que poderia ter vivido dedicando-se integralmente aos patrões e aos filhos dos patrões. Esse cotidiano fez com que sua saúde entrasse em colapso e, por essa razão, os patrões cogitam contratar outra empregada que a ajude nos afazeres domésticos. É o início de uma desesperada luta empreendida por Raquel contra toda e qualquer pessoa que possa representar uma ameaça ao seu lugar de empregada da família. Tudo isso, no entanto, muda quando os patrões contratam Lucy, uma pessoa que conseguirá conquistar a confiança de Raquel e promover mudanças em sua vida. 

        La Nana é um filme sobre a decadência existencial promovida pelo cotidiano de trabalho e nos faz pensar sobre as antigas e atuais formas de relaçõs de trabalho. A crítica social a mentalidade burguesa é forte. Apesar da temática delicada, La Nana consegue ser muito leve e entreter com divertidas seqüências tragicômicas, sendo difícil caracterizar esse filme como um drama ou uma comédia. A atuação de Catalina Saavedra é fantástica, mas o resto do elenco, especialmente Claudia Celedon e Andrea Garcia-Huidobro também surpreendem positivamente. Eu indico La Nana a todos que gostam de se divertir vendo um bom filme.        

Nota: 10,0

Lo bueno de Llorar (2006)





Lo Bueno de Llorar (O bom de chorar) é um filme de Matias Bize, produzido na Espanha, e que segue uma linha que guarda algumas semelhanças com sua produção anterior. Apesar de bem menos premiado e conhecido (especialmente aqui no Brasil e no Chile) do que os badalados En La Cama e o recente La Vida de Los Peces, a produção teve exibições em alguns festivais incluindo o Festival do Rio.  

Em uma escura, fria e úmida Barcelona, um casal (interpretados por dois atores espanhóis: Vicenta Ndongo e Alex Brendemühl) estão em vias de término de um longo relacionamento. Do restaurante, eles seguem pelas ruas, lembrando do passado, sentindo a angustia do presente e silenciando sobre um futuro incerto.

Todo o filme passa-se durante uma noite. Apesar de haver outros protagonistas secundários e figurantes (em espaço físico muito maior do que no quarto de motel do En La Cama) Bize escolheu novamente um evento de curta duração para abordar de maneira profunda uma outra face das relações de gênero. Contudo, a atmosfera de Lo Bueno de Llorar é completamente distinta do filme anterior, pois o silencio, os olhares e atitudes dominam todo o filme, promovendo uma angustia que acompanha a todo o tempo o expectador. 

Muitos acreditam que Lo Bueno de Llorar foi uma reação ao seu filme anterior, resultando numa completa antítese, até mesmo em termos de qualidade. Se o expectador for com idéia de encontrar uma produção tão boa quanto a anterior, ou melhor, vai se decepcionar. Os diálogos são escassos o que torna o filme mais difícil, especialmente para quem não é acostumado. Os pontos positivos ficam para a trilha sonora que, ao meu ver, amarra perfeitamente o expectador à atmosfera dos acontecimentos e para a metáfora da ultima cena do filme. . .

 Nota 7,0

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Play (2005)



Primeiro longa-metragem da diretora e professora da Universidad de Chile Alicia Scherson, Play foi uma aposta, um tanto ousada, que rendeu exibições e alguns prêmios internacionais, como nos festivais de Tribeca e Montreal.

Cristina (Viviana Herrera) é uma jovem que vem do interior e estabelece morada em Santiago, onde trabalha cuidando de um senhor doente. Em dado momento, Cristina encontra Tristán (Andrés Ulloa) e o vê perdendo uma pasta. Daí têm início uma verdadeira devassa silenciosa que Cristina realiza na vida íntima de Tristán. A jovem o segue constantemente sem ser notada e vai descobrindo em Tristán um homem que busca incessantemente respostas e saídas para sua crise conjugal e existencial. Enquanto o segue, a jovem vai conhecendo-se a si mesma e aprendendo a inserir-se melhor na caótica, poluída e (por que não?) decadente Santiago do Chile.


O filme nos instiga a pensar sobre as diferenças entre o interior e as grandes cidades, seja em termos de realidade física ou em termos existenciais e temporais. A cidade grande é onde está concentrada as maiores características da modernidade (com seu lado encantador e também sombrio), havendo sempre uma idéia do grandioso que sufoca, polui, isola e encarcera, mantendo um ambiente de crise. Play também é um filme sobre maturidade e escolhas, fugas e perplexidade ante o cotidiano da vida moderna.


Play é bem diferente de tudo o que estava sendo produzido na época, o que dá um toque a mais de experimentalismo. A temática é válida, e a abordagem Pop com ingredientes sonoros sutis é interessantíssima. Entretanto, o filme acaba pecando por uma certa densidade que o torna difícil, e em alguns momentos até maçante. O destaque positivo fica para a fotografia, uma verdadeira obra prima que dá um toque muito especial e marcante à experiência de assisti-lo.  
         

    Nota: 6,5



domingo, 29 de abril de 2012

B-Happy (2003)


            Sétimo longa-metragem do diretor chileno Gonzalo Justiniano, e primeira participação de Manuela Martelli frente às câmeras, B-Happy ganhou projeção internacional e vários prêmios, incluindo o de melhor atriz para a jovem Martelli, no festival de Havana. Apesar de ser um filme que segue a tendência da época de crescentes produções latino-americanas focadas na difícil realidade das classes menos favorecidas, ele inova por lançar um olhar completamente diferente e, em certa medida, existencial, sendo um importante contraponto a filmes como Mala Leche ou Táxi para Três. 

             Katty (Manuela Martelli) é uma menina de 14 anos e vive no interior do Chile com sua família. O pai é ex-presidiário, tenta levar uma vida honesta, mas como não consegue uma oportunidade de emprego, retorna para o mundo do crime. A mãe trabalha em um armazém, onde é obrigada a manter relações sexuais com seu patrão. O irmão é desempregado, usuário de drogas e mantém relação amorosa com um homem pouco mais velho e com melhores condições financeiras (também usuário de drogas). O filme foca na trajetória de Katty, desde o momento que seu pai ganha a liberdade. Pouco a pouco sua desestruturada família vai se dissolvendo e ela se vê obrigada a tomar as rédeas de sua própria vida. 

             As mazelas sociais e a miséria material, nesse filme, servem como pano de fundo para um panorama de caráter mais existencial. Katty é uma adolescente que precisa aprender desde cedo a viver num mundo onde prevalecem desigualdades, preconceitos, exclusões, hipocrisia, mentiras onde as pessoas deixam-se levar pelos seus desejos e pensamentos mais imediatos. Não é um mundo em crise, mas de crise. Apesar de haver uma crítica social muito forte as instituições e à sociedade chilena pós-Pinochet, o filme foca muito nesse lado de miséria existencial presente em todas as esferas da sociedade. Quem leu O Estrangeiro de Albert Camus, vai perceber mais rápido essa característica, já que Katty, em toda a sua apatia e pragmatismo, lembra muito o personagem Meursault e sua trajetória da liberdade ao cárcere em um mundo Absurdo. Entretanto, pelo que o filme sugere, a trajetória existencial de Katty é inversa ao do personagem de Albert Camus, já que quanto maior é sua desgraça, maior é a sua sensação de liberdade materializada na expressão yo no tengo miedo... e na metáfora do coelho libertado da armadilha do caçador. 



             O filme consegue apresentar os eventos mais chocantes de maneira muito leve se comparado ao real peso que elas possuem, ou seja, não possui cenas apelativas. Tem também o que considero uma das melhores atuações de Manuela Martelli no cinema. Apesar do filme trazer uma mensagem positiva, ele, em si, é muito triste. Se você é do tipo que chora ao ver Titanic ou outras coisas hollywoodianas, eu não o recomendaria. Mas se você gosta de arte, e acha que a arte deve transmitir algo muito maior que simples entretenimento, esse filme torna-se imperdível. 

Nota: 10,0

segunda-feira, 9 de abril de 2012

La Vida de los Peces (2010)


            Quarto longa-metragem do diretor chileno Matias Bize (Sábado, En la Cama, Lo Bueno de Llorar), La vida de los Peces (A Vida dos Peixes) entrou no último fim de semana em cartaz no Rio de Janeiro, sendo que já havia sido exibido aqui durante o Festival do Rio no ano passado. É uma co-produção Chile/ França e já ganhou vários prêmios internacionais, incluindo o Goya, entrando para o seleto grupo de filmes chilenos exibidos nas salas de cinema do Brasil.

         La Vida de los Peces nos trás a história de Andrés (Santiago Cabrera), que aos 23 anos decidiu mudar-se para a Alemanha e lá passou a trabalhar escrevendo artigos sobre roteiros turísticos. Deixou em Santiago do Chile a família, os amigos e Beatriz (Blanca Lewin) uma namorada apaixonada e esperançosa pelo seu retorno. Dez anos depois, Andrés retorna a Santiago e reencontra seu antigo amor na festa de um dos seus amigos de infância. Aliás, ele reencontra todas as pessoas (ainda vivas) que faziam parte de seu circulo social antes de partir para a Europa.

         O filme todo passa-se na casa onde ocorre a festa, tendo como foco principal, mas não único, a tensão entre Andrés e Beatriz, já que era a primeira vez em 10 anos que ambos se encontravam. Com o tempo, o espectador percebe que esse microcosmos é uma metáfora do espaço e tempo social a qual Andrés não mais pertence. E o mais notável: todos os personagens construíram algo nesse espaço ao longo dos 10 anos, seja um casamento ou uma família que os tornam ainda mais presos à esse espaço. Beatriz, mulher que Andrés ainda ama, sendo em alguma medida correspondido, não é exceção e está casada e com duas filhas gêmeas. Andrés, ao contrário, é o turista que chega e apreende a realidade do lugar, tal qual no seu solitário dia-a-dia de trabalho. É o expectador que admira a vida dos peixes dentro do aquário, onde é apenas alguém de passagem.

           La Vida de los Peces consolida muitas das características presentes nos filmes anteriores de Matias Bize, como a adoção de eventos de curta duração que transmitem de maneira densa os diversos e conflituosos sentimentos envolvidos numa relação entre humanos (ou seja, bem além de um binômio homem-mulher). Apresenta também sinais evidentes de amadurecimento na sua produção, além de ter uma linda fotografia e ser um ótimo filme. Apesar de eu não considerar esse filme o melhor de sua produção cinematográfica, vale a pena conferir, principalmente se você ainda não teve oportunidade de assistir suas produções anteriores.


Nota: 9,0

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Mala Leche (2004)


             Mala Leche, do diretor chileno Leon Errázuriz, segue em linha similar ao brasileiro Cidade de Deus, mostrando de maneira nada sutil a dura realidade vivida pelos jovens que moram na periferia de Santiago do Chile. Chegou a ser premiado em alguns eventos internacionais como no festival de San Sebástian e Cinesul, aqui no Rio de Janeiro.

             Conta a história de dois amigos de infância que são usuários de cocaína e estão envolvidos com o tráfico local. Ao serem forçados por um traficante (o temido Yao) a transportar um carregamento de drogas, eles tem o carregamento roubado, aparentemente por um grupo rival. Esse acontecimento dá início a luta de ambos para conseguirem o valor do carregamento perdido para conseguirem preservar a própria vida e a vida de seus familiares. Yao, o chefe do tráfico, não ameaça somente os dois amigos, mas a mãe de um deles e a namorada do outro (que está a espera de um filho). Ambos tem apenas dois dias para levantar todo o dinheiro referente ao carregamento perdido. Nesses dois dias, violência, esperanças e sonhos misturam-se em um turbilhão de eventos.

            O filme tem as excelentes interpretações de Juan Pablo Ogalde e Mauricio Diocares, que são os protagonistas principais da trama, e que considero, o ponto alto da obra. Mas, como um todo é um verdadeiro soco no estômago pela forma visceral como é tratado o tema da violência na periferia e como os jovens encontram-se perdidos em meio a falta de expectativas de futuro. Essa característica faz de Mala Leche um programa não recomendável para qualquer hora. O espectador deve estar preparado para um choque de realidade nua e crua, que nos faz pensar em questões como violência e desigualdade social nas periferias das grandes cidades latino-americanas.

Nota: 8

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Machuca (2004)


             Sou suspeito em falar sobre esse filme, afinal, foi o primeiro filme chileno que assisti, por acaso, por convite e insistência de um amigo. Fico feliz por ele ter insistido e eu, cedido à pressão, pois o que vi foi o que se tornou um dos maiores clássicos, se não o maior, do novo cinema chileno. Aliás, aprendi a gostar de cinema chileno a partir dessa obra. Dirigido pelo agora renomado diretor Andrés Wood, Machuca foi um dos primeiros filmes a abordar o delicado período pré-golpe de 1973 e conquistou importantes prêmios em Viña del Mar, Vancouver, Havana e um Goya, na Espanha.

          O filme conta a história da amizade entre dois meninos: Pedro Machuca, pobre, e Gonzalo Infante, rico, que se conhecem em um colégio de elite, beneficiado por um Programa audacioso promovido pelo padre McEnroe, diretor da instituição, que defendia a integração entre diferentes classes socioeconômicas, a começar pela oportunidade às crianças pobres de freqüentarem a mesma escola e espaço que as crianças ricas. A idéia desagradava a maioria dos pais ricos, principalmente num momento de turbulência social e política próprias do período pré-golpe.

        Machuca focaliza na relação mantida entre ambos e as descobertas, surpresas e desafios que enfrentam ao apresentar-se em mundos tão distintos em período de grave enfrentamento social. O que temos é a convulsão social e o golpe militar sob a ótica de duas crianças que encontram-se juntas no redemoinho dos acontecimentos. Longe de esboçar uma visão simplista ligada a inocência própria da infância, ao longo do filme, vemos o desconforto e até mesmo desaprovação de membros de ambas as famílias à essa amizade, que mesmo assim é tolerada, e a percepção de ambas as crianças que, vez por outra, lembravam-se de que lado da trincheira pertenciam quando em qualquer briga os adjetivos “pobre de merda” e “filhinho de papai” entrava em cena. Uma cena que traduz bem essa sensação de dificuldade ou impossibilidade de relação entre classes é o sorriso de Gonzalo Infante frente a passagem do avião-caça cortando os céus rumo ao horizonte e alguém ao longe balançando freneticamente a bandeira do Chile, representando o triunfo de uma classe social e visão de mundo sobre a outra. Por mais verdadeira e sincera que fosse a amizade, ambos eram representantes de pólos distintos em um período de ideologias extremas.

       As interpretações de Matias Quer e Ariel Mateluna, apesar de serem atores estreantes, são maravilhosas, constituindo um dos pontos altos do filme. A atuação da atriz Manuela Martelli como Silvana, a adolescente pobre que sempre acompanha a dupla, é um espetáculo à parte, consolidando a sua carreira como atriz e sua imagem no exterior. Eu já considero estes motivos suficientes para tornar esse filme imperdível. Além disso, é bom destacar que a história é uma ficção baseada em fatos reais vividos pelo próprio diretor e trata, ao meu ver, de maneira bem séria a complexidade política e social no momento do golpe de 1973.

Nota: 10,0

En la Cama (2005)


             Vamos inaugurar as postagens no blog com esse filme, que já se tornou um clássico da nova safra do cinema chileno. En la Cama (Na Cama) é o segundo filme do diretor chileno Matias Bize, uma co-produção Chile-Alemanha que recebeu dezenas de prêmios nacionais e internacionais, tais como nos festivais de Viña del Mar, Locarno, Valladolid, além da indicação ao Goya em 2006. Foi esse filme que deu fama internacional a Bize e o tornou um dos mais conhecidos e prestigiados cineastas chilenos da atualidade.

         O filme se passa inteiramente dentro de um quarto de motel e gira em torno das ações dos personagens Daniela (Blanca Lewin) e Bruno (Gonzalo Valenzuela). Ambos teriam se conhecido em uma festa, onde houve toda a química e consequente decisão de ir a um motel. As “ações” não podem ser entendidas apenas como a prática sexual, pois ela ocorre em alguns momentos ao longo do filme, mas é apenas o pano de fundo para o agir destes dois personagens em um microcosmo. Na cama é donde amas, donde soñas, donde engañas, e, portanto, o espectador deve estar atento à sutileza dos diálogos, dos olhares, das expressões corporais, para mergulhar nos sonhos, contradições, conflitos e sentimentos dos personagens, em grande parte corporificados nas muitas perguntas que trocam mutuamente.

            Nos primeiros 5 ou 10 minutos você pode pensar que não vai conseguir ver um filme com apenas dois personagens em apenas um ambiente. Mas essa expectativa negativa é rapidamente frustrada devido ao dinamismo das ações, das diversas situações e pelo jogo de tomadas das câmeras. Em diversos momentos essa ebulição e mistura de sonhos, amor e mentira levam a situações inusitadas que tem poder de segurar a atenção do espectador pelo suspense que promove: a cena de Daniela dançando ao som da musica Herida, do grupo Supernova, é talvez, um dos pontos altos dessa grande mistura, estando longe de ser o aparente momento flash-back de um doce e inocente romantismo adolescente. Mas pouco a pouco a vida íntima e cotidiana de ambos os personagens vão se descortinando e não só seus corpos ficam nus, mas também, seus espíritos.

           A análise de gênero contida nas entrelinhas de En la Cama e a genialidade como foi conduzida a trama, tornam esse filme obrigatório para quem gosta de assistir bons filmes. A fórmula usada por Bize é tão boa que surgiram vários outros filmes imitando de maneira explícita ou sutil a mesma fórmula (o que não é o caso de citarmos os nomes aqui). Esse filme é obrigatório também para quem quer conhecer mais sobre os filmes do diretor Matias Bize, pois é um marco importante em suas obras por conter características fortemente presentes em suas produções posteriores.

Nota: 10,0