domingo, 9 de março de 2014

Turistas (2009)


      Turistas é o segundo longa-metragem da diretora Alícia Scherson. Assim como Play, esse filme conquistou alguns prêmios internacionais como no Festival de Roterdam, reafirmando um estilo, de certa forma, ousado e um tanto minimalista na abordagem de suas estórias.

      Carla (Aline Küppenheim) está viajando de férias com o marido Joel (Marcelo Alonso). Porém, na estrada o casal tem uma séria briga, culminando com ele a deixando na estrada. Buscando carona para retornar a Santiago, Carla conhece o norueguês Ulrik (Diego Noguera) e após muita insistência ela aceita acampar com ele em um parque florestal. No parque, Carla interage com plantas, árvores, insetos, animais e pessoas em busca de respostas para um mal estar onipresente.

      Com uma estória simples, belas tomadas e uma lindíssima fotografia, a natureza surge como metáfora da própria natureza humana, onde Carla parece buscar refúgio e respostas para sua tediosa vida de mulher balzaquiana de classe média da capital chilena. Extremamente detalhista e, em certa medida, filosófico, o filme explora bastante os diferentes posicionamentos e situações vividas por quem está no acampamento, dando a sensação de uma complexa rede de interações, com suas devidas continuidades e rupturas. As duas Suzanas interpretadas por Viviana Herrera e Sofia Géldrez são exemplos de nós na rede onde encontra-se Carla, assim como o próprio Ulrik com seus problemas relativos à aceitação social de sua sexualidade. O filme aborda especialmente um mal-estar existencial generalizado, que materializa-se justamente nessa diversidade de percepções, lembranças e sentimentos que permanece vivo, e até mesmo mais explícito, no contato com a floresta.

      O ponto fraco do filme, no entanto, está na própria pretensão filosófica e metafórica do mesmo, que o torna denso demais e confuso em algumas partes, dificultando, em certa medida, a compreensão do espectador. A exploração excessiva de detalhes relativos aos personagens secundários juntamente com a natureza enquanto metáfora do próprio olhar para o interior de si mesma da protagonista tende a cobrar muito do espectador em termos de atenção, tornando o filme cansativo. Em grande medida, é um problema semelhante ao percebido no longa-metragem Play, já comentado aqui no blog. O ponto forte certamente está na fotografia e na ótima atuação da bela Aline Küppenheim, um verdadeiro brinde a quem admira o trabalho dessa atriz.
 
 
Nota: 7,5

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Gloria (2013)

 
 
       Aclamado pela crítica no Festival de Berlin e conquistando importantes prêmios como o Urso de Ouro para melhor Atriz, Gloria, quarto longa-metragem de Sebastián Lelio (La Sagrada Familia, Navidad, El Año del Tigre), chega finalmente às salas de cinema do Brasil.

         Gloria (Paulina Garcia) é uma mulher próxima aos seus 60 anos de idade, separada, independente, de classe média, com filhos adultos e igualmente independentes. Sempre muito bela, alegre e com personalidade forte, ela vive sozinha em um apartamento em Santiago e confronta-se com as vantagens e desvantagens que essa fase da vida pode proporcionar. Em um baile conhece Rodolfo (Sergio Hernández) e começa a viver uma intensa paixão. Tudo vai bem, a não ser pelas incompatibilidades que ambos possuem no trato com seus ex-relacionamentos, bem como com os filhos, tendo impacto profundo na relação. Para piorar, Gloria também é confrontada com as instabilidades comportamentais de Rodolfo, fortemente ligada a difícil relação que possui com seus filhos e ex-esposa.

      A personagem Gloria retrata muito do que há em mulheres (e também homens) de classe média no Chile. Pessoas atentas ao contexto social e político do seu país, mas que deixa para os jovens o papel de cobrar mudanças nas velhas estruturas. Ela e as muitas mulheres e homens de sua idade pensam já terem cumprido o seu papel sociopolítico e tem pela frente o desafio de viver, amar, sentir, divertir-se e combater a solidão que teima em bater a porta. Ioga, bailes, trabalho, encontro com amigos são oportunidades de viver intensamente e, talvez, recomeçar ao lado de um companheiro. Gloria é uma chilena, mas poderia ser uma brasileira, uma colombiana, argentina ou francesa. Trata-se de um sujeito quase universal. Assim, o filme retrata as delícias e dificuldades da vida na chamada “melhor idade” e chama atenção para esse estrato social que emerge fora do clichê “idoso” (com bengalas, cansado da vida e esperando pela morte) e é ainda ignorado pela maioria das pessoas. 

         Gloria é um filme leve, surpreendente, com um toque feminista e divertido. Ainda assim, está longe de ser um entretenimento holywoodiano. É arte fina que comprova uma vez mais a maestria e marca do estilo de Sebastián Lelio, muito preocupado com a vida em movimento, que como as águas de um rio, choca-se contra barreiras, mas continuam o seu percurso ininterrupto rumo ao mar. O espectador deve estar atento às metáforas ao longo do filme, que são extremamente importantes para sua melhor compreensão (o detestado gato do vizinho que teima entrar no apartamento de Gloria, por exemplo, é um personagem fundamental que não deve ser ignorado). Suave, ousado e apaixonante como toda boa poesia, Gloria é um filme que merece ser assistido e principalmente sentido. É impossível também não vibrar com a atuação de Paulina Garcia, um espetáculo à parte em todos os sentidos.

Nota: 9,5

OBS.: O Brasil é bem homenageado por meio das músicas que tocam ao longo do filme, incluindo Tom Jobim. É uma vergonha para os brasileiros que nossos vizinhos sejam tão atentos aos produtos de nossa cultura enquanto nós ainda nos mantemos ignorantes frente a rica cultura hispano-americana.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Historias de Fútbol (1997)

      
      
      Primeiro longa-metragem da consagrada carreira de Andrés Wood, Historias de Fútbol (Histórias do Futebol ou Soccer Stories) teve projeção internacional e pode ser considerado atualmente um clássico do cinema chileno por ter alcançado relativo sucesso no Chile.

       Historias de Fútbol narra três diferentes contos que tem em comum o futebol e a paixão que esse esporte suscita em adultos e crianças. Na primeira estória temos um artilheiro de um pequeno time local que é aliciado pelo cartola do time adversário que seu clube enfrentará na final do campeonato. Na segunda estória, o plano de fundo é um jogo importante onde times grandes se enfrentam. Algumas crianças tentam assistir a partida no estádio, mas são barradas por não terem ingresso. Mas a bola oficial do jogo sai do estádio e cai onde os meninos estão, e a questão que fica é: quem é, de fato, o dono da bola? A última estória gira em torno de um jovem da capital, isolado no interior do país, que busca desesperadamente uma forma de assistir a partida da seleção chilena contra a Alemanha.  Enquanto isso, duas solteironas disputam quem vai iniciar sexualmente o garoto e ter como troféu a iniciação de um jovem da capital.

        Embora seja um filme despretencioso se comparado as demais produções de Andrés Wood, Historias de Fútbol já antecipa algumas tendências do diretor em sua predileção por temas que envolvem contradições sociais e dilemas éticos em conjunto com aspectos socioeconômicos que oprimem, corrompem e impelem os indivíduos. Essas tendências podem ser vistas especialmente nas duas primeiras estórias. Contudo, o amor ao futebol é enfatizado de maneira positiva, podendo superar por um lado a corrupção que vem pelo poder e dinheiro, mas não a solidariedade que une ou deve unir as pessoas. 

          Na atual conjuntura, especialmente no Brasil, a forma como a paixão pelo futebol é positivada no filme pode parecer ilusória e causar incômodo. Especialmente devido à violência promovida por torcidas organizadas nos estádios e fora deles, além do próprio poderio econômico e político dos grandes clubes que incentivam atos políticos bizarros, como a promoção da Copa do Mundo. Porém, o ponto mais fraco, sem dúvida, fica por conta do papel da mulher frente a paixão dos homens pelo futebol. Seja na posição de esposa desiludida, mãe severa ou solteirona fogosa, elas permanecem à margem no filme, reforçando o estereótipo da mulher que não gosta de futebol e não entende a paixão dos homens por esse esporte.

         Ainda assim, recomendamos o filme pela forma despretensiosa como se apresenta, por conseguir prender a atenção do espectador e por ser um clássico chileno. Contudo, é obra para puro entretenimento. Se assistir o filme pensando nas produções recentes de Andrés Wood, o risco de decepção é grande.  


Nota: 4,5