domingo, 29 de abril de 2012

B-Happy (2003)


            Sétimo longa-metragem do diretor chileno Gonzalo Justiniano, e primeira participação de Manuela Martelli frente às câmeras, B-Happy ganhou projeção internacional e vários prêmios, incluindo o de melhor atriz para a jovem Martelli, no festival de Havana. Apesar de ser um filme que segue a tendência da época de crescentes produções latino-americanas focadas na difícil realidade das classes menos favorecidas, ele inova por lançar um olhar completamente diferente e, em certa medida, existencial, sendo um importante contraponto a filmes como Mala Leche ou Táxi para Três. 

             Katty (Manuela Martelli) é uma menina de 14 anos e vive no interior do Chile com sua família. O pai é ex-presidiário, tenta levar uma vida honesta, mas como não consegue uma oportunidade de emprego, retorna para o mundo do crime. A mãe trabalha em um armazém, onde é obrigada a manter relações sexuais com seu patrão. O irmão é desempregado, usuário de drogas e mantém relação amorosa com um homem pouco mais velho e com melhores condições financeiras (também usuário de drogas). O filme foca na trajetória de Katty, desde o momento que seu pai ganha a liberdade. Pouco a pouco sua desestruturada família vai se dissolvendo e ela se vê obrigada a tomar as rédeas de sua própria vida. 

             As mazelas sociais e a miséria material, nesse filme, servem como pano de fundo para um panorama de caráter mais existencial. Katty é uma adolescente que precisa aprender desde cedo a viver num mundo onde prevalecem desigualdades, preconceitos, exclusões, hipocrisia, mentiras onde as pessoas deixam-se levar pelos seus desejos e pensamentos mais imediatos. Não é um mundo em crise, mas de crise. Apesar de haver uma crítica social muito forte as instituições e à sociedade chilena pós-Pinochet, o filme foca muito nesse lado de miséria existencial presente em todas as esferas da sociedade. Quem leu O Estrangeiro de Albert Camus, vai perceber mais rápido essa característica, já que Katty, em toda a sua apatia e pragmatismo, lembra muito o personagem Meursault e sua trajetória da liberdade ao cárcere em um mundo Absurdo. Entretanto, pelo que o filme sugere, a trajetória existencial de Katty é inversa ao do personagem de Albert Camus, já que quanto maior é sua desgraça, maior é a sua sensação de liberdade materializada na expressão yo no tengo miedo... e na metáfora do coelho libertado da armadilha do caçador. 



             O filme consegue apresentar os eventos mais chocantes de maneira muito leve se comparado ao real peso que elas possuem, ou seja, não possui cenas apelativas. Tem também o que considero uma das melhores atuações de Manuela Martelli no cinema. Apesar do filme trazer uma mensagem positiva, ele, em si, é muito triste. Se você é do tipo que chora ao ver Titanic ou outras coisas hollywoodianas, eu não o recomendaria. Mas se você gosta de arte, e acha que a arte deve transmitir algo muito maior que simples entretenimento, esse filme torna-se imperdível. 

Nota: 10,0

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